
5 de ago. de 2025
14 Minutos
Especialidades
O que são distúrbios ácido-base?
Os distúrbios ácido-base representam alterações no equilíbrio do pH sanguíneo, que são causadas por desequilíbrios entre os dois principais componentes responsáveis pela regulação do pH: bicarbonato (HCO3-) e dióxido de carbono (CO2). Mas antes de adentrarmos no assunto, você sabe o que faz uma substância ser definida como ácido ou base? A base é uma substância que, em meio aquoso, é capaz de receber um H+, sendo o contrário do ácido que, em meio aquoso, é capaz de doar um H+. Estas definições são importantes pois os distúrbios que vamos abordar hoje possuem relação direta com o pH (potencial hidrogeniônico). O pH sanguíneo é um parâmetro essencial para a homeostase do organismo, e variações nos seus valores podem ter impactos significativos sobre várias funções fisiológicas. O valor de referência do pH é entre 7,35 e 7,45, sendo que qualquer desvio para valores abaixo ou acima deste intervalo caracteriza, respectivamente, a acidemia ou alcalemia. Da mesma forma, os valores de pCO2 (35-45 mmHg) e HCO3- (22-26 mEq/L) são componentes-chave para a interpretação das alterações ácido-base.
Valores de referência:
pH: 7,35 – 7,45
pCO2: 35 – 45 mmHg
HCO3-: 22 – 26 mEq/L
Importância da regulação do pH
A regulação do pH é vital para a manutenção da homeostase celular, já que pequenas variações podem afetar a função das enzimas, o transporte de eletrólitos e a estabilidade das estruturas celulares. O pH também influencia processos metabólicos e a estrutura de proteínas, tornando-se um determinante essencial para a integridade do organismo. Qualquer alteração significativa pode comprometer funções vitais, como a contração muscular e a condução nervosa.
Principais mecanismos regulatórios
O corpo humano possui dois mecanismos principais para a regulação do pH:
Sistema tampão bicarbonato-ácido carbônico: O sistema tampão mais importante no organismo atua de forma rápida para neutralizar variações abruptas no pH. É formado principalmente pelas moléculas de bicarbonato (HCO3-) e o ácido carbônico (H2CO3) que atuam juntos para manter a concentração de íons hidrogênio (H+) dentro dos limites fisiológicos.
Esse sistema pode ser regulado de duas formas: renal ou ventilatória.
Compensação respiratória: Ocorre por um mecanismo rápido, em que a alteração na concentração de CO2 (pCO2) pode ser ajustada através da ventilação pulmonar. A hiperventilação pode diminuir o pCO2 e ajudar a corrigir a acidose, enquanto a hipoventilação pode aumentar o pCO2 e corrigir a alcalose. Trata-se de uma resposta rápida, porém limitada.
Compensação renal: Embora mais lenta, a compensação renal é extremamente eficaz. Os rins ajustam a excreção de H+ e a reabsorção de bicarbonato (HCO3-) para restaurar o equilíbrio ácido-base. Esse processo pode levar várias horas ou dias para ser completamente efetivo.
Conceitos Fundamentais
Definições importantes
Existem alguns conceitos chave quando falamos de distúrbios ácido-base, sendo os principais:
Acidemia: Situação em que o pH sanguíneo é inferior a 7,35.
Alcalemia: Quando o pH sanguíneo é superior a 7,45.
Acidose: Condição fisiológica que resulta em acidemia, causada por fatores metabólicos ou respiratórios.
Alcalose: Condição fisiológica que leva à alcalemia, que também pode ter origem metabólica ou respiratória.
Interpretação do pH com HCO3- e pCO2
A interpretação dos resultados de pH, HCO3- e pCO2 é essencial para determinar o tipo de distúrbio ácido-base. Na acidose metabólica, por exemplo, os níveis de bicarbonato estão abaixo de 22 mEq/L, o que leva a uma compensação respiratória pela diminuição do pCO2. Na alcalose metabólica, o bicarbonato aumenta, e há compensação respiratória pela elevação do pCO2. Já na acidose respiratória, a elevação do pCO2 leva a uma compensação renal, enquanto na alcalose respiratória, a diminuição do pCO2 é compensada pela redução do bicarbonato. Ou seja, esperamos o seguinte comportamento:
Acidose metabólica: ↓ HCO3- (compensação respiratória → ↓ pCO2)
Alcalose metabólica: ↑ HCO3- (compensação respiratória → ↑ pCO2)
Acidose respiratória: ↑ pCO2 (compensação renal → ↑ HCO3-)
Alcalose respiratória: ↓ pCO2 (compensação renal → ↓ HCO3-)
Acidose Metabólica
Definição
A acidose metabólica é caracterizada por um pH abaixo de 7,35 associado a níveis de bicarbonato menores que 22 mEq/L.
Quadro Clínico
Essa condição pode ser acompanhada de respiração de Kussmaul, que é uma forma de respiração rápida e profunda como tentativa do corpo de eliminar CO2 e compensar a acidose. Além disso, os pacientes podem apresentar letargia, confusão mental e hipotensão.
Classificação pelo Ânion Gap (AG)
AG normal (<12 mEq/L): perda de bicarbonato
AG aumentado (>12 mEq/L): acúmulo de ácidos
Se você está diante de uma acidose metabólica, seja na prática clínica ou em questões de prova, já busque os valores de sódio, cloreto e bicarbonato para o cálculo do ânion gap (diferença aniônica entre os cátions e ânions presentes no sangue). Este cálculo é baseado no princípio da eletroneutralidade, ou seja, a soma dos cátions e dos íons deve ser zero. Mas quando calculamos considerando os principais cátions e ânions, o resultado não é zero, mas sim de 10, ou seja, há íons de carga negativa que não são mensurados. Estes ânions, chamamos de ânion gap.
AG = [Na+ + K+] – [Cl- + HCO3-]
Na prática costuma-se excluir o K+ da conta, resultando em:
AG = Na+ – (Cl- + HCO3-)
Pode ser dividida entre acidose metabólica de ânion gap (AG) normal ou elevado, a depender da causa da acidose:
AG normal: Perda de bicarbonato
AG elevado: Acúmulo de ácidos
Causas
AG aumentado:
Na acidose metabólica de ânion gap aumentado, o sódio e o cloreto mantêm seus valores, mas o valor do bicarbonato diminui, resultando no aumento do ânion gap (> 12 mEq/L) para manter o princípio da eletroneutralidade. Isso indica acúmulo de ácidos não medidos, como na acidose lática, cetoacidose diabética, insuficiência renal aguda, intoxicação exógena, choques, entre outros.
AG normal (hiperclorêmica):
Quando o AG está normal (menor que 12 mEq/L), o sódio mantém seu valor normal, mas com o bicarbonato reduzido, para manter o AG normal, o cloro está aumentado para manter a eletroneutralidade. A causa costuma ser a perda de bicarbonato, que pode ser intestinal, como em casos de diarreia, ileostomias de alto débito e fístulas intestinais, ou renal, por acidoses tubulares renais (tipos 1, 2 e 4). Outra causa que pode ser suspeitada é a infusão excessiva de soro fisiológico.
Diagnóstico
Como já vimos, quando estamos diante de uma acidose metabólica, o cálculo do anion-GAP nos ajudará a direcionar nosso raciocínio clínico para algumas causas. Nas causas de AG normal, devemos calcular o AG urinário, para diferenciar as perdas intestinais e renais.
Cálculo do AG urinário:
Normalmente o AG urinário é negativo, e expressa a excreção renal de H+ sob a forma de NH4+ (amônio).
Ânion gap urinário = (NH4+) + u[K+ + Na+] – u[Cl-]
Caso o AG urinário seja positivo isso confirma acidose de causa renal. Se negativo, a perda é provavelmente do trato gastrointestinal.
Tratamento
O tratamento da acidose metabólica envolve a correção da causa subjacente, como no caso de insuficiência renal ou intoxicação. Se o pH estiver abaixo de 7,1, pode ser necessária a reposição de bicarbonato. A reposição de fluidos intravenosos é fundamental para corrigir a hipovolemia, e em casos graves, a hemodiálise pode ser necessária para remover toxinas ou equilibrar o pH.
Alcalose Metabólica
Definição
A alcalose metabólica é definida por um pH superior a 7,45 e níveis de bicarbonato superiores a 26 mEq/L.
Quadro Clínico
O quadro clínico geralmente envolve fraqueza muscular, tetania (contrações musculares involuntárias), câimbras e confusão mental.
Causas e diagnóstico
Podemos dividir as causas de acordo com a avaliação da volemia em:
Hipovolêmica
Na alcalose metabólica hipovolêmica, devemos direcionar nossa suspeita para algumas causas de retenção de bases ou perdas de ácidos, que podem ser renais ou extrarrenais.
Renais: Intoxicação por medicamentos como diuréticos de alça (por inibição do transportador Na+K+2Cl-) ou diuréticos tiazídicos (por inibição do transportador Na+Cl-). Há também duas síndromes genéticas raras que ocasionam uma tubulopatia que pode ser comparada com a intoxicação por estes medicamentos. A síndrome de Bartter simula a intoxicação por diurético de alça e a síndrome de Gitelman a por diurético tiazídico.
Extrarrenais: Destaca-se a perda por vômitos ou drenagem gástrica (perda de ácido clorídrico).
Normovolêmica
Já nas causas de alcalose metabólica com volemia adequada, outras perdas devem ser suspeitadas, também divididas em renais e extrarrenais:
Renais: Hiperaldosteronismo, síndrome de Cushing e síndrome de Liddle.
Extrarrenais: Infusão iatrogênica de bicarbonato ou hemotransfusão.
Tratamento
O tratamento envolve:
Correção da hipovolemia com solução salina (NaCl 0,9%)
Suspensão dos diuréticos
Correção de distúrbios eletrolíticos, como hipocalemia e hipocloremia
Uso de inibidores da anidrase carbônica, como a acetazolamida, em casos específicos
Acidose Respiratória
Definição
A acidose respiratória ocorre quando há um pH abaixo de 7,35 e pCO2 elevado (acima de 45 mmHg).
Causas
O aumento da pCO2 é geralmente decorrente de hipoventilação alveolar, que pode ocorrer em doenças como:
DPOC
Depressão respiratória
Intoxicações exógenas
Sedação excessiva
Acidente vascular encefálico (AVE)
Outras causas incluem doenças neuromusculares e obstruções das vias aéreas superiores.
Diagnóstico
O diagnóstico é realizado a partir da investigação da causa subjacente. Por exemplo:
Se suspeita de DPOC → anamnese, exame físico e espirometria
Se suspeita de AVE → exame neurológico detalhado, avaliando tempo do evento para medidas específicas
Se intoxicação exógena → avaliar necessidade de antídotos, lavagem gástrica, entre outros
Tratamento
O tratamento envolve:
Corrigir a causa subjacente
Suporte ventilatório para pacientes com dificuldades respiratórias
Em casos graves, pode ser necessária ventilação mecânica invasiva (IOT)
Atenção: em pacientes com DPOC, o uso de oxigênio deve ser cuidadosamente monitorado.
Alcalose Respiratória
Definição
A alcalose respiratória é caracterizada por um pH superior a 7,45 e um pCO2 reduzido (abaixo de 35 mmHg).
Causas
A diminuição da pCO2 é comumente associada à hiperventilação, que pode ser desencadeada por condições como:
Ansiedade
Pneumonia
Tromboembolismo pulmonar
Edema pulmonar
Intoxicação por salicilato
Dor intensa
Sepse
Hipóxia
Uso excessivo de ventilação mecânica
Diagnóstico
Após deflagrado o distúrbio gasométrico, devemos investigar a causa base para direcionar o tratamento específico. Por exemplo:
Crise ansiosa → prescrição de ansiolíticos de resgate
Hipóxia → suplementação com oxigênio
Pneumonia, sepse, tromboembolismo, etc. → exames complementares conforme suspeita clínica
Tratamento
O tratamento da alcalose respiratória envolve:
Corrigir a causa subjacente
Em casos de hiperventilação por ansiedade, a técnica de “rebreathing” (respiração em saco de papel) pode ser eficaz
Ajustes na ventilação mecânica também podem ser necessários
Distúrbios Mistos
O que são distúrbios mistos?
Distúrbios mistos ocorrem quando dois ou mais distúrbios ácido-base coexistem no mesmo paciente. Isso pode complicar a interpretação dos exames e a estratégia de tratamento.
Exemplos comuns:
Acidose metabólica + alcalose respiratória (como ocorre na sepse)
Acidose respiratória + metabólica (comum em parada cardiorrespiratória)
Alcalose metabólica + respiratória (geralmente associada ao uso excessivo de diuréticos e ventilação mecânica)
Diagnóstico dos distúrbios mistos em 5 passos
Anamnese e exame físico minuciosos
Identificação do distúrbio primário – se metabólico ou respiratório
Identificação da resposta compensatória – se foi esperada ou não
Avaliação de possível distúrbio secundário
Cálculo do ∆AG/∆HCO3-
Fórmulas úteis:
Acidose metabólica: pCO2 esperado = (1,5 × HCO3-) + 8 ± 2
Alcalose metabólica: pCO2 esperado = HCO3- + 15 ± 2
Se o valor de pCO2 do paciente não corresponder ao valor calculado → distúrbio misto.
∆AG/∆HCO3- ajuda a avaliar a proporcionalidade entre os distúrbios:
1–2 (normal): acidose metabólica de AG elevado isolada
> 2: variação do AG maior que a do HCO3 → alcalose metabólica associada
< 1: variação do HCO3 maior que a do AG → acidose metabólica de AG normal associada
Tabela Comparativa dos Distúrbios Ácido-Base
Distúrbio | pH | pCO₂ | HCO₃⁻ | Causas Comuns | Diagnóstico | Tratamento |
---|---|---|---|---|---|---|
Acidose Metabólica | < 7,35 | Normal ou ↓ | < 22 mEq/L | Acidose lática, cetoacidose, insuficiência renal, diarreia | Ânion gap, gasometria, história clínica | Corrigir causa, reposição de bicarbonato (pH < 7,1), hemodiálise |
Alcalose Metabólica | > 7,45 | Normal ou ↑ | > 26 mEq/L | Vômitos, diuréticos, hiperaldosteronismo, infusão de HCO₃⁻ | Volemia, cloro urinário | Solução salina, suspensão de diuréticos, correção de eletrólitos |
Acidose Respiratória | < 7,35 | > 45 mmHg | Normal ou ↑ | DPOC, sedação, AVE, doenças neuromusculares, obstruções | Gasometria, clínica, exames de imagem | Suporte ventilatório, tratar causa, uso cuidadoso de O₂ em DPOC |
Alcalose Respiratória | > 7,45 | < 35 mmHg | Normal ou ↓ | Ansiedade, dor, sepse, hipóxia, ventilação mecânica excessiva | Gasometria, investigação da causa base | Rebreathing, tratar causa, ajustes ventilatórios |
Distúrbios Mistos | Variável | Variável | Variável | Sepse, parada cardiorrespiratória, ventilação + diuréticos | ∆AG/∆HCO₃⁻, fórmulas preditivas, avaliação clínica | Corrigir causas de forma coordenada, avaliar compensações simultâneas |
Considerações Finais
Compreender os distúrbios do equilíbrio ácido-base é essencial na prática médica, especialmente em ambientes de urgência e UTI. A interpretação adequada do pH, HCO3⁻ e pCO2, aliada ao raciocínio clínico e conhecimento dos mecanismos compensatórios, permite identificar o tipo de distúrbio, suas causas prováveis e guiar o tratamento eficaz.
Além disso, os distúrbios mistos exigem um olhar atento e minucioso para evitar erros de interpretação. O uso de fórmulas auxiliares, como o cálculo do ânion gap, do pCO2 esperado e do ∆AG/∆HCO3⁻, ajuda a refinar o diagnóstico.
Por fim, reforçamos a importância de uma abordagem clínica individualizada, considerando o contexto do paciente, com correção da causa base e suporte adequado para restabelecer a homeostase do organismo.
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Dr Juan Pablo Murillo
Médico formado no Equador e revalidado no Brasil.
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